“Teme os profetas e aqueles que estão preparados para morrer pela verdade... por via de regra eles fazem muitos morrerem com eles, frequentemente antes deles, e não raro em vez deles.”
Umberto Eco
in O Nome da Rosa
Retalho
Em 1166, aos 31 anos, desembarcou em Alexandria, no Egipto, Mosheh ben Maimon que significa Moisés, filho do Rabi Maimon, que se transformou em Maimonides, filósofo e médico. Aos 16 anos escreveu um tratado sobre a lógica. Foi precursor da tarefa ecuménica a que no mundo cristão se dedicaria depois Tomás de Aquino. Durante dez anos escreveu os comentários sobre a Mishna (em hebraico significa repetir; repetição da tradição. O talmude produziu acontecimentos significativos na religião judaica. Cada uma das três grandes divisões dessa obra, a Mecha que é o código das leis orais, a Guevara que é o comentário e elaboração dos textos da Mecha, e o Medira que é a exposição e interpretação popular da Bíblia em forma de sermão. Tornou-se o depósito dos colectivos esforços judaicos que visavam uma filosofia mais harmoniosa) em vários volumes. Viveu na cidade de Fustat no Cairo e, veio a influenciar pensadores tanto muçulmanos como católicos e judeus da sua época.
Foi frequentemente citado por pensadores como, os mencionados, Tomás de Aquino, Alberto o Grande, Roger Bacon, Inácio de Loyola, Alexandre de Halle, Nicolas de Coves, Leibniz Barouch de Espinoza e muitos outros.
Dedicou a sua vida a procurar a liberdade e o alargamento das fronteiras do conhecimento através da força da razão.
De forma violenta e no confuso mundo em que vivemos, as crises estão a produzir-se através do terrorismo. Torna-se imperioso procurar evitar o naufrágio da razão. Não existem fórmulas mágicas ou homens providenciais, mas apenas a busca da sabedoria e da justiça.
Maimónides afirmava que a construção da boa e justa sociedade pressupõe não fórmulas messiânicas, mas sim o império da lei. A lei, como um todo, diz no Guia dos Perplexos, refere-se a duas situações objectivas como o bem-estar da alma e o bem-estar do corpo. O primeiro consiste no desenvolvimento da inteligência humana; o segundo, na melhoria das relações políticas dos homens entre si.
Quem visita Córdova, na Espanha onde nasceu Maimónides pode ir à casa onde ele viveu. Verificará pela sua localização que ele vivia num quarteirão judeu, mas num bairro árabe. Perto da sua casa pode-se visitar a sinagoga que frequentava. O convívio era tranquilo e pacífico.
O Alcorão, a maior obra do Islamismo, traz alguns pensamentos que destacamos e que ao meditarmos vemos que no conteúdo são semelhantes aos ensinamentos do Velho Testamento, como: Deus não ama os opressores (XLII, 38); A justiça conserva junto de si a misericórdia (V, II); Não ande orgulhosamente pelo mundo... (XVII); Os homens foram divididos em tribos e famílias, mas pertencem a uma mesma espécie, eles provêem de uma mesma origem, e o mais digno é aquele que é mais temente a Deus; (VI, 98; VII, 189; XLIX, 13); As diferenças de raça não são mais que uma lição para o mundo (XXX, 21), Os éditos proclamam que um árabe não é superior a um estrangeiro, a um branco, ou a um negro, e que por misericórdia, Deus enviou a sua bênção e a sua bondade, a todas as raças de forma igual.
Ainda se pode encontrar no livro sagrado dos muçulmanos as seguintes afirmações que Mahomet (Maomé ou Mohamed, profeta do Islão, nascido em Meca 570-632. Maomé deu às raízes puramente árabes a organização cultural e litúrgica e transmitiu ao mundo como mensagem de Deus, o Alcorão (do árabe Al-qurãn, a leitura por excelência) declara que matar um homem é como matar todos os homens, salvar apenas um homem, é como salvar todo o género humano. (V, 35); que a piedade não consiste em virar a sua face em direcção ao nascente ou ao poente, mas possuir a fé e dar aos pobres por amor a Deus, rezar e libertar os cativos, manter as suas promessas e suportar piedosamente as suas provações, (II, 172); que o sofrimento e o sangue das vítimas não alcançam Deus, mas a sua piedade chega até ele (XXXII, 38). Não há ponto de constrangimento na religião, (II, 257); Ele aconselha: pague-se com o bem o mal e verás que o teu inimigo se transformará em protector e amigo. Ele estigmatiza o orgulho e afirma a unidade e a solidariedade da espécie humana, o direito da consciência e o valor da pessoa.
Como a cultura judaico-cristã difundiu-se no mundo ocidental de uma forma sólida pensamos acerca da importância desta série de exortações para demonstrar que o conflito que hoje se encontra instituído no mundo não tem origem na falta de um fundamento comum relativo ao entendimento. Muito pelo contrário, são povos com uma mesma origem cultural e que possuem os instrumentos filosóficos capazes de encontrar formas e soluções de convívio e colaboração.
Quando trazemos à colação Maimónides, foi para tentar mostrar que um dos mais importantes homens da sua época e que se projectou como exemplo para os demais homens e para o seu tempo e vindouro, também queria demonstrar que o convívio entre árabes e judeus não é apenas possível como desejável e produtivo.
Maimónides cresceu e desenvolveu-se até se inserir perfeitamente no mundo árabe.
Os actores que protagonizam no presente a luta na região, cada um pelo seu ideal, talvez precisem de se lembrar de que há factos conjunturais que influem nas razões que levam ao radicalismo actual.
Durante séculos os povos da região viveram pacificamente `a volta das suas crenças, costumes e religiões.
O petróleo possui razões em torno das quais a cobiça gravita e o poder que dele deriva envolve interesses que transcendem em grande medida os problemas locais.
As dificuldades entre os dois povos agudizada actualmente pelo domínio do território palestiniano que dura há 80 anos. Ambos por razões diferentes expõem ao mundo a triste cena das suas vidas sendo imoladas num altar de motivos que não são muito claros.
Sempre houve partidários da violência e da paz de ambos os lados. Houve momentos, em que os partidários da paz dominaram as negociações tornando possível vislumbrar acordos capazes de obter uma paz duradoura e justa.
Aparentemente os factores que compõem o cenário geopolítico da região atravessam fronteiras e influem nas decisões e impedem povos que são irmãos a viveram juntos e em harmonia ao longo dos séculos e que se enfrentem como inimigos irreconciliáveis. Como este cenário é parte de um quadro alargado, ao ouvirmos com frequência, manifestações para que as Nações Unidas intervenham no sentido de encontrar a partir do exterior os instrumentos capazes de compor os interesses em conflito. Isto não significa que as razões graves e internas, não deflagrem os conflitos que todos conhecemos, mas certamente não é desprezível a necessidade de influir na região que detém 70 % das reservas de petróleo do mundo.
Os fundamentalistas de ambos os lados encontram na religião, na política local, na luta por espaço e na necessidade de domínio em termos de estratégia as razões para preconizar a mútua eliminação através da total expulsão e extermínio dos territórios considerados santos. Mas é preciso lembrar que frequentemente as verdadeiras razões e que não são apresentadas, não são forçosamente nem as dos judeus nem as dos palestinianos.
Mas neste teatro de horrores em que se vai transformando o berço da cultura, da civilização e dos valores éticos e morais do mundo ocidental, onde cada um se acha no direito de vingar-se da sua tragédia pessoal, a situação vai escapando a qualquer controle. Como em todo o conflito, interno, as vítimas que nos causam maior indignação são as da população civil, cujo drama assistimos através dos meios de comunicação social. São os inocentes de ambos os lados, crianças, velhos, e mulheres.
Pode, perfeitamente possuir um papel relevante, o facto de que sendo fundamental o controle do petróleo na região e perfeitamente presumível que este século deve ser o da mudança da fonte energética, quer seja pela poluição proveniente de CO2, quer seja, pelo esgotamento das reservas conhecidas. Tudo leva a crer que, na fase actual, nem Israel nem os palestinianos possuem condições para pôr termo à escalada da violência. Os Estados Unidos não possuem a neutralidade necessária para gerir uma negociação já foi tentada de todas as formas possíveis e imagináveis.
Talvez reste à ONU a possibilidade de fazer uma intervenção militar externa que em nome da comunidade mundial teria a necessária isenção para uma tarefa de tal magnitude. Enquanto isto não acontece ficam o exemplo dos ancestrais e a sabedoria necessária para encontrar o caminho da paz que já viveram e merecem viver.
O Islão
Em 1993, um assessor do governo americano advertia que o Ocidente (ou melhor o governo do seu país) deveria preparar-se militarmente para enfrentar civilizações como o Islão e o Confucionismo que, unidas, ameaçariam o coração do mundo ocidental.
Da caixa de Pandora do império americano, aberta, escapam os monstros e os medos que se alastram por um mundo que não está sob o controle dos Estados Unidos. Desde o dia 11 de Setembro de 2001, um deles pula de um estúdio de televisão para outro, denunciando a ameaça desses bárbaros para a civilização capitalista mundial.
Foi em 1993 que o Professor Samuel P. Huntington, um ex-especialista em operações de contra-insurreição do governo de Lyndon Johnson no Vietname, nomeado Director do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade de Harvard, publicou o seu, hoje célebre, “The Clash of Civilisations”, que nos referimos por diversas vezes em anteriores ensaios, concebido como um panfleto contra um rival teórico do Departamento de Estado que é o Professor Francis Fukuyama, da Universidade Johns Hopkins, e as sua teses do “Fim da História”. Recorde-se que este último livro foi publicado muito antes do “Clash of Civilizations” Para Samuel P. Huntigton, a derrota da União Soviética punha um ponto final em todas as disputas ideológicas, mas não na história. A cultura, e não a política, ou a economia, dominaria o mundo.
Huntington enumerava oito culturas, cujos valores eram simbolizados por uma religião, que talvez fosse a força central que motiva e mobiliza os povos, como o morticínio das crianças iraquianas Ele enumerava oito culturas: ocidental, confucionista, japonesa, islâmica, hindu, eslavo-ortodoxa, latino-americana e, talvez, africana (Huntington não tinha a certeza de que a África fosse, de facto, civilizada). Cada uma delas encarnava diferentes sistemas de valores simbolizados, cada um, por uma religião que talvez fosse a força central que motiva e mobiliza os povos. O principal divisor de águas passava entre o Ocidente e o restante do mundo, pois o Ocidente, apenas valoriza o individualismo, o liberalismo, a constituição, os direitos humanos, a igualdade, a liberdade, as leis, a democracia, e o mercado livre. Daí que, os Ocidente (ou seja, os Estados Unidos) devem preparar-se militarmente para enfrentar essas civilizações rivais, especialmente as mais perigosas como o Islão e o Confucionismo, isto é, o petróleo e as exportações chinesas que, unidas, ameaçariam o coração da civilização. E Hutington concluía com uma observação sinistra: O mundo não é uno. As civilizações unem e dividem a humanidades... Os povos identificam-se com o sangue e a fé, pelos quais combatem e morrem. Osama bin Laden poderia assinar sem qualquer problema essa declaração.
Simplista, mas politicamente correcta, esta análise forneceu bases aos estrategas políticos e ideólogos de Washington e de outros países. O Islão foi considerado a principal ameaça, dado que o Irão, o Iraque e a Arábia Saudita produzem a maior parte do petróleo mundial. Nessa época, a República Islâmica do Irão existia há catorze anos e combatia o Grande Satã; a Guerra do Golfo e as consequências que daí advieram, tinham produzido um golpe no poder do Iraque; a Arábia Saudita, contudo, permanecia um porto seguro, com a sua monarquia defendida por tropas americanas. A civilização ocidental, apoiada, na ocasião, por duas outras, a confucionista e a eslavo-ortodoxa, organizava a morte lenta de dezenas de milhares de crianças iraquianas, privadas de alimentos e medicamentos devido às sanções impostas pelas Nações Unidas.
O Islão passou a ser considerado a principal ameaça ao Ocidente, pois o Irão, o Iraque e a Arábia Saudita produzem a maior parte do petróleo mundial e apoiam as forças reaccionárias e terroristas Essas teses exigem duas respostas fundamentais. A primeira é que o Islão, há mais de mil anos, nunca foi monolítico. As diferenças entre muçulmanos senegaleses, chineses, indonésios, árabes e asiáticos do sul são bem maiores do que as que os distinguem dos não-muçulmanos da mesma nacionalidade.
Nos últimos cem anos, o mundo muçulmano conheceu guerras e revoluções, como todas as outras sociedades. O conflito de setenta anos entre os Estados Unidos e a União Soviética afectou todas as civilizações. Os partidos comunistas cresceram e ganharam o apoio das massas, não só na Alemanha luterana, mas também na China confucionista e na Indonésia muçulmana. Ao longo das décadas de 20 e 30 o apelo cosmopolita do marxismo e o desafio populista de Mussolini e Hitler dividiram intelectuais árabes e europeus. O liberalismo, tido como ideologia do império britânico, era menos popular. Actualmente, os fundamentalistas podem ser considerados como uma versão muçulmana da Frente Nacional Francesa ou dos neofascistas do governo italiano. Um dos ideólogos ocidentais mais apreciados por alguns pensadores que alimentam o Islão radical e fundamentalista é Alexis Carrel, racista e seguidor das ideias do Marechal francês Pétain, que colaborou com o governo alemão do III Reich, permitindo a invasão e ocupação da França em 1940 e de Paris a 14 de Junho, e caro aos seguidores de Le Pen.
O segundo ponto surge depois da II Guerra Mundial, quando os Estados Unidos apoiaram os elementos mais reaccionários, usando-os como obstáculo ao comunismo e ao nacionalismo progressista. Muitas vezes recrutaram os seus aliados entre os radicais fundamentalistas: os Irmãos Muçulmanos, contra Nasser, no Egipto; o Sarekat-i-islam, contra Sukarno, na Indonésia; o Jamaat-I-Islam, contra Bhutto, no Paquistão; e, mais tarde, no Afeganistão, Osama bin Laden e outros contra o laico comunista Najibullah, escorraçado do seu refúgio pelos Talibans, antes de ser morto e o seu cadáver pendurado em Cabul, com os orgãos genitais introduzidos na boca. Nenhum líder ocidental manifestou qualquer discordância.
As teses dos estrategas de Washington exigem respostas fundamentais. A primeira dela é que o Islão, há mais de mil anos, nunca foram monolíticas As únicas excepções foi Bagdade e Teerão. Não havia condições, na década de 60, para a criação de um grupo político confessional no Iraque. O Partido Comunista era a força mais popular, mas sua vitória era inaceitável. Os Estados Unidos apoiaram, então, a ala mafiosa do partido Baath, incitando-a a dizimar os comunistas e, depois, os sindicatos de operários ligados ao petróleo. Saddam Hussein encarregou-se do trabalho e obteve, como recompensa, armas e acordos comerciais, até cometer um erro fatal de avaliação, em Agosto de 1991, no Kuwait. No Irão, o Ocidente apoiava o Xá da segunda geração, que se comportava como um déspota, desrespeitando os direitos do seu povo e aniquilou, através da tortura e do exílio, o partido comunista Tudeh. Os religiosos ocuparam o vazio político e dirigiram a revolta popular que derrubou a monarquia.
No Médio Oriente, o Ocidente apoiou a sua estratégia alicerçada em dois pilares. O primeiro foi a Arábia Saudita, criada na década de 30 pela multinacional americana de petróleo Aramco, que precisava de um Estado local para defender os seus interesses. Nesse tempo, a tribo dos Al Saud acabava de sair vitoriosa de uma sangrenta guerra civil entre as tribos que habitavam Hedjaz. Triunfava, dessa forma, uma tendência especialmente virulenta e radical puritana no Islão, que foi o wahhabismo, que deriva do nome do seu fundador Ibn Abdul Wahhab, um fanático religioso que pregava as vantagens de uma uma guerra santa (jihad) permanente contra os modernizadores islâmicos e os infiéis, e que se impôs graças a uma aliança, em 1744, com Mohamed Ibn Saud, que desejava explorar a fé fervorosa, tendo em vista facilitar as conquistas militares. O wahhabismo, actual religião do Estado Saudita, domina toda a estrutura social e difunde-se, graças aos petrodólares, financiando o fundamentalismo em todo o mundo muçulmano, inclusive nas escolas religiosas do Paquistão, onde nasceu o Talibanismo.
Os partidos comunistas cresceram e ganharam o apoio das massas, não só na Alemanha luterana, como na China confucionista e na Indonésia muçulmana.
O segundo pilar configura-se como tendo em Israel, o intermediário mais confiáveis dos Estados Unidos na região. As relações entre muçulmanos e judeus foram, em outros tempos, relativamente harmoniosas. Na Espanha muçulmana, os judeus eram protegidos pelos governantes muçulmanos. Saladino agiu da mesma forma no Médio Oriente, quando retomou Jerusalém, na posse dos Cruzados, e trouxe muçulmanos e judeus de volta à cidade. Depois da vitória da reconquista católica na Espanha, os judeus receberam asilo e refúgio no Império Otomano. Foi a nakba (catástrofe) de 1948, que demarcou a verdadeira ruptura entre judeus e árabes. Os dirigentes sionistas, com um sentimento latente de culpa em relação aos palestinianos expulsos, tornaram-se mais agressivos, mais arrogantes e mais fanáticos e desempenharam com satisfação o seu papel em 1956 (Guerra do Suez), em 1967 (Guerra dos Seis Dias), em 1982 (Guerra do Líbano) e no momento presente.
O medo de desestabilizar o seu principal braço militar na região, tornou o Ocidente totalmente incapaz de garantir a criação de um Estado palestiniano viável e independente. Este fracasso levou ao descontentamento do mundo árabe e muçulmano, em particular no Egipto e na Arábia Saudita, de onde são originários alguns dos terroristas responsáveis pela tragédia de 11 de Setembro. Ou seja, a razão da crise actual está na estratégia e na política económica do Ocidente, a de dois pesos e duas medidas que as inspiram.
A guerra do Iraque como temos vindo a afirmar só veio provocar um transbordar das águas do ressentimento.
Podemos pelo exposto fazer uma reflexão acerca da desordem da "ordem" internacional a partir da radicalização dos conflitos entre Israel e a Palestina, que entendemos como um dos desdobramentos dos atentados de 11 de Setembro. Sabemos desde a antiguidade dos conflitos existentes entre árabes e israelitas, mas o terrorismo de Estado que Israel tem colocado em prática, ao invadir territórios palestinianos e desrespeitando a autoridade de Yasser Arafat, é fruto de uma conjuntura de desequilíbrio internacional muito idêntica com a existente no início do século XX.
Na transição do século XIX para o século XX a Inglaterra, até então considerada a grande potência imperial do mundo, "o império onde o sol nunca se punha", passou a sofrer a concorrência de outras potências emergentes, como a Alemanha e os Estados Unidos, por exemplo. Estas novas potências, buscavam aumentar as suas áreas de influência; passaram a desejar territórios já controlados pela Inglaterra ou qualquer outro país, ou territórios libertados pelo enfraquecimento de antigos impérios, como foi o caso do Império Turco Otomano, cujo enfraquecimento levou à disputa pelo controle dos Balcãs entre a Sérvia e o Império Austro-húngaro. Esta nova conjuntura fez com que a Inglaterra abandonasse o seu relativo isolamento através da assinatura em 1907, da Tríplice Entente com a França e a Rússia. É importante destacar que tal conjuntura internacional levou o mundo a um estado de insegurança, desencadeando uma sucessão de alianças e conflitos que vão desencadear, em 1914, a I Guerra Mundial.
Guardadas as diferenças de conjuntura histórica, é de realçar uma situação muito semelhante neste início de século XXI. Primeiro porque os Estados Unidos, tal qual a Inglaterra em 1900, vem perdendo a sua posição de hegemonia internacional. É esta multipolaridade, onde se destacam os Estados Unidos, a União Europeia e a China, que obriga as grandes potências a alargar as suas zonas de influência, obrigando-as a tecer alianças e lançando-as em conflitos diversos. Ao mesmo tempo temos a fragmentação do Império Soviético, e o gradual enfraquecimento da Rússia, gerando "vácuos de poder" no Leste Europeu e no Centro da Ásia, "libertando" regiões para a influência ou domínio das actuais potências internacionais. Prova disso é a tentativa das Repúblicas do Báltico de ingressarem na OTAN e dos conflitos no Afeganistão; afinal, não foi para capturar Bin Laden que os Estados Unidos bombardearam o Afeganistão, mas sim, porque deseja impor-se numa região estratégica da Ásia, com vizinhos ricos em minérios e próxima da China, cujo isolamento territorial é interessante para o Ocidente.
É neste contexto de multipolaridade e sucessivo desequilíbrio internacional que Israel aproveita a sua histórica amizade com a "Águia" para pôr um fim à Palestina. Aproveitando-se do discurso de "caça aos terroristas", pregado por George Bush, e da desunião entre os países árabes, muitos dos quais servis aos Estados Unidos, como é o caso da Arábia Saudita, que Ariel Sharon legitima as suas incursões na Cisjordânia, Faixa de Gaza e Colinas de Golã, à revelia das decisões da ONU. Mesmo diante da pressão dos países europeus, Israel sente-se tranquilo pois sabe que pode contar com o apoio dos Estados Unidos, ainda que oficialmente os Estados Unidos peçam aos israelitas para se retirarem dos territórios ocupados.
A radicalização do conflito israelo-árabe é apenas mais um desdobramento da actual conjuntura internacional, do Plano Colômbia com vista à resolução do conflito terrorista que dura à 40 anos entre o Governo e o principal movimento guerrilheiro as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), as ameaças dos Estados Unidos e vice versa com a Coreia do Norte, o Irão, e a invasão do Iraque, entre outros, pertencem a este contexto de procura de novas zonas de influência, de desmoronamento da hegemonia dos Estados Unidos e da ascensão de novos pólos de influência, lançando o mundo na instabilidade e ampliando os conflitos para escalas cada vez maiores.
Assim sendo, devemos prestar toda a atenção para o facto de que a crise no Médio Oriente é apenas a ponta de um enorme iceberg cuja tendência é a do seu continua aumento.