A Europa é um continente profundamente civilizado em que imperam o direito, a ordem e a democracia em sentido ideal. A Suíça, Áustria e Alemanha habitam o nosso imaginário. É o continente dos sonhos. A Europa, possui a Bósnia e a Albânia onde, a miséria ombreia com o fausto; a paz com a guerra; a democracia com o totalitarismo. O Velho Continente viveu o seu apogeu e desde os anos 90 como uma preparação para a entrada neste terceiro milénio, continua a sofrer as turbulências naturais da adaptação de fracturas sociais, políticas, religiosas, étnicas, que vêm do fim do milénio.
Para entendermos ter-se-á de recuar ao tempo onde o bipolarismo da Guerra Fria deu lugar a anseios de idade e progresso; a ideologia radical pareceu dobrar-se à inexorável marcha do desenvolvimento humano. A comunicação por satélites e as redes mundiais de informação espalharam na grande maioria dos habitantes do planeta um sentimento de pertença ao mesmo ambiente.
Esse sentimento de "aldeia global", sem dúvida, contribuiu, conjuntamente, com os sentimentos históricos para a eclosão da onda de separatismo que assolou o Leste Europeu.
A crise na Europa de Leste pode ser resumida por dois acontecimentos principais, que são, o desmembramento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e o da República Socialista Federativa da Jugoslávia. O desaparecimento da URSS, tão bem sintetizado pela queda do Muro de Berlim, tem sido minuciosamente analisado pelos media a nível mundial. O problema jugoslavo, porém, embora tenha recebido muita atenção da imprensa como um todo, sofreu distorções resultantes das motivações económicas, políticas e militares, entre outras.
A nossa intenção é a de lançar alguma luz sobre os fundamentos históricos dessa crise; perscrutar as raízes da crueza bárbara da chamada "Guerra da Jugoslávia"; expondo como em anterior ensaio, aqui publicado, o envolvimento e a responsabilidade de cada um dos protagonistas da contenda; e demonstrar que o interesse económico, acima de tudo, tem sido uma barreira para o entendimento do nó balcânico.
Situação da Jugoslávia no Início da Crise
Antes das considerações históricas, talvez seja útil observarmos a situação da Jugoslávia no início da crise. Com uma área, aproximadamente de 250 mil km2, o país era dividido politicamente em seis repúblicas: Sérvia, Croácia, Eslovénia, Bósnia e Herzegovina, Macedónia e Montenegro e duas províncias autónomas, o Kosovo e Voivodina. As línguas oficiais eram três: servo-croata, esloveno e macedónico, como também eram três as religiões: católica ortodoxa, católica romana e islamismo, além de uma infinidade de nacionalidades. No último censo realizado em 1981, uma minoria declarou-se jugoslava. A maioria da população considerou-se sérvia, croata, eslovena, macedónica, montenegrina, albanesa, húngara, muçulmana, cigana, etc. A constituição federal, promulgada em 1973, quando Tito já mostrava sinais de enfraquecimento, procurou atender aos clamores mais exaltados, como forma de refrear os ânimos. Assim, além de conceder muito mais autonomia às repúblicas, facultou a cada etnia o direito de manifestar livremente a sua cultura, tradições, credo, etc. A título de ilustração, se um grupo de, no mínimo, trinta húngaros desejasse fazer os seus estudos no seu próprio idioma, o Estado era legalmente obrigado a atendê-lo. Desta forma, juntamente com a diversidade, floresceu também o anseio crescente de liberdade em todo o país. Apesar disso, e durante algum tempo, a convivência foi pacífica. Os dois principais grupos étnicos, os sérvios e os croatas, sustentavam um conflito latente centenário que, foi a razão imediata da eclosão da crise. Não fosse o advento do comunismo, na década de quarenta, os conflitos teriam acontecido muito antes. O comunismo conseguiu colocar "panos quentes" nos sentimentos fortemente antagónicos, existentes entre sérvios e croatas.
Rupturas aparentemente irreparáveis foram solucionadas com o truque do partido único, controlado com extrema habilidade pelo grande artífice da federação jugoslava, o Marechal Tito. A semente da desagregação, ficou preservada por mais de quarenta anos nos círculos de ferro do regime de Tito, apesar da existência de milhares de mortes. Tito faleceu em 1980 e Gorbachev inventou a Perestroika-Glasnost. Os ventos frescos da democracia sopraram e o estado jugoslavo, considerado o mais moderno dos estados comunistas, viu-se humilhado à posição de ultra-conservador. Somou-se a tudo, a queda e execução sumária do último ditador da região, Nicolae Ceaucescu, da Roménia.
Era chegada a hora. Os ideais de liberdade alçavam vôo sereno nos céus jugoslavos. Cada povo passou a destacar as suas diferenças históricas. Cada nacionalidade começou a exaltar as suas virtudes e a abominar, como funestas, as particularidades alheias. Os média entraram na batalha, onde sérvios e croatas passaram a expor minuciosamente os seus ressentimentos mútuos. Neste ponto, a guerra começou a ser ganha pelo separatismo. Os sérvios, defensores da federação, dirigiram os seus ataques contra os croatas, principais arautos do desmembramento. Os croatas, por sua vez, valendo-se dos seus laços mais ocidentais, passaram a difamar os sérvios, principalmente na Alemanha e nos Estados Unidos, onde são numerosos. Os resultados não tardaram a aparecer. Em pouco tempo a media ocidental, inicialmente alimentada por magnatas americanos de origem croata, passou a fustigar a Sérvia. Cabe aqui lembrar algumas razões da media ocidental como sejam: 1. A Alemanha cobra à Sérvia grande parte do seu insucesso na II Guerra Mundial. Perdeu divisões inteiras, milhares de homens, tempo e terminou por ser expulsa pelos sérvios, não conseguindo estabelecer a ligação tão necessária com as suas forças da África e do Oriente. Saiu humilhada dos Balcãs; 2. A Itália, aliada da Alemanha, perdeu também uma grande faixa de terreno, que hoje pertence à Croácia; 3. Os Estados Unidos, como xerife, temia a manutenção de forças armadas tão fortes como as jugoslavas na região, sendo o quarto exército mais poderoso da Europa; 4. A Hungria também nutria ressentimentos pela expulsão de milhares de húngaros das planícies da Voivodina, sem falar da Bulgária.
Dessa forma, torna-se importante lembrar que durante a guerra, todas as reportagens veiculadas a nível mundial sobre a crise jugoslava tiveram origem na Alemanha, Estados Unidos e Itália. Toda anti-Sérvia. Um massacre. Vimos a guerra de um único ângulo. Em última análise, o que temos aqui é um choque de civilizações, a ocidental contra a oriental; a católica romana, contra a ortodoxa, a democracia contra o comunismo. A este respeito, convém recordar que as fronteiras da Sérvia com a Croácia coincidem, exactamente, com os limites dos impérios Austro-húngaro e Otomano. E sempre voltamos a Samuel P. Huntington com o seu “Clash of Civilisations”.
As raízes da crise jugoslava podem ser compreendidas, em parte, pela história da rivalidade entre sérvios e croatas. Quatro são os factores principais nessa rivalidade: 1. Sérvios na Croácia; 2. Hegemonia sérvia; 3. Invasão da Jugoslávia pelo III Reich; 4. Luta pela sucessão de Tito.
Os primeiros desentendimentos entre sérvios e croatas ocorreram ainda durante o Império Otomano, entre os séculos XIV e XIX. Os turcos, que ocupavam a Sérvia, eram muito violentos e a cláusula principal da sua constituição era a espada. A vizinha Croácia pertencia ao Império Austro-húngaro, muito mais civilizado e avançado. Por esta razão, muitos sérvios procuravam refúgio na Croácia e, devido ao seu prestígio de bons guerreiros, conseguiram um vantajoso pacto com o Império, formando uma muralha defensiva contra os turcos, recebendo, em contrapartida, certos privilégios. Privilégios esses, que teriam enfurecido os croatas que, embora nativos, gozavam de condições inferiores às dos sérvios perante o Império. Além disso, para se constituir a referida muralha, muitos croatas foram castigados.
Começaram, desta forma, os conflitos entre os dois povos, conflitos esses, que seriam os mais antigos dos acontecimentos. Em finais do século XlX, os sérvios expulsaram os turcos e reorganizaram o seu reino. A I Guerra Mundial trouxe a independência da Croácia e da Eslovénia, dado que o Império Austro-húngaro se desintegrou. Croatas e eslovenos, não possuíam a organização político-militar dos sérvios, propuseram e foram aceites num reino conjunto com os sérvios, onde o rei era sérvio. Formava-se, então, o Império de sérvios, croatas e eslovenos (1918). Os desentendimentos foram tais e de tal monta, que passaram, todo o tempo entre as duas grandes guerras em quase conflito. Entre outras "proezas únicas", conseguiram assassinar o rei. Uma das razões sempre invocadas para a sua diferença é o facto de os sérvios serem ortodoxos e os croatas e eslovenos serem católicos romanos. A grande justificação política, era a acusação da tentativa sérvia de hegemonia sobre os dois outros parceiros. Esta seria, pois, a segunda origem histórica das diferenças entre si. A II Guerra Mundial encontrou o Império ferido. Falava-se em separação. Croatas e eslovenos tudo faziam para "fugir dos sérvios". A invasão alemã caiu do céu para os croatas, pois, rapidamente renderam-se e, traindo a União, passaram-se para o lado de Hitler, mediante um acordo que lhes dava a independência. Valendo-se, provavelmente da teoria hitleriana da "pureza racial", passaram a promover uma limpeza do seu território, eliminando os incómodos sérvios que ali residiam desde os tempos dos turcos (aproximadamente há 300 anos). Os dados disponíveis e divulgados dão conta de que entre 1941 e 1943 foram mortos cerca de 800 mil sérvios.
Com a queda de Hitler essa dívida de sangue só não foi cobrada porque o Marechal Tito (croata), que subiu ao poder, praticou um discurso conciliatório sob o lema "Unidade e Fraternidade", que pregava a união de todos povos da região. Essa "química" retirou a Croácia do bloco dos perdedores e passou a figurar no dos vencedores. Tito manteve a situação sob controlo até 1980, quando faleceu. Seria essa conta pendente há 50 anos, com os seus juros naturais, o terceiro grande motivo para os desentendimentos. A quarta e definitiva razão para os conflitos seria a ambição política desmedida de lideranças regionais que tentaram, a qualquer preço, apoderar-se do posto de "maestro", vago há anos com a morte de Tito. Com tantos e tão fortes motivos, não era possível minimizar a complexidade do quadro jugoslavo.
A crise que se veio a produzir teve origem imediata em dois acontecimentos, que foram a morte de Tito e a abertura política do bloco comunista, proporcionada pela Perestroika. A morte do grande líder mostrou que o país não dispunha de uma liderança capaz de manter coesas as diversas correntes jugoslavas no sentido de um rumo comum. Aos poucos as lutas políticas intestinas foram surgindo e as querelas entre repúblicas e nacionalidades vieram à superfície.
A Perestroika, desta forma, constituiu-se no brilho momentâneo que faltava para a precipitação dos acontecimentos. Além disso, a revolução romena que resultou na deposição e morte de Nicolae Ceaucescu, teve grande influência, à medida que expôs, de forma crua, as limitações do regime unipartidário.
Em Janeiro de 1990, a Liga dos Comunistas da Jugoslávia – LCI (Partido Comunista), que desde há muito enfrentava problemas internos, não conseguiu realizar o seu Congresso Extraordinário. Depois de acesas discussões, os representantes da Eslovénia retiraram-se, desagregando o partido. Esse foi o embrião do multipartidarismo no país. Começou, imediatamente, a campanha nas diversas repúblicas para a realização das primeiras eleições directas, em 50 anos. De um modo geral, as eleições trouxeram transformações. Três repúblicas, porém, sentiram-nas de forma mais acentuada. A Eslovénia, precursora do movimento em prol do multipartidarismo, imprimiu um cunho vanguardista, valendo-se da sua condição de república mais desenvolvida da Federação e dos seus laços "espirituais" com o Ocidente. A Croácia, que ao eleger Franjio Tudjman (ex-general) e separatista, colocou-se em rota de colisão com o sistema vigente e, antes de tudo, com a própria Jugoslávia. Finalmente, a Sérvia, como a mais importante unidade da federação e sede do poder central, ao insistir na manutenção do "status quo”, colocou-se em posição antagónica às outras duas. Eslovénia e Croácia, até por coincidência de propósitos, ficaram de um lado, e a Sérvia, pela razão oposta, do outro.
Ao não esquecermos as origens do conflito, vemos que os ânimos já estavam suficientemente exaltados, faltava, porém, algo de concreto para se iniciar o conflito. Esse "algo de concreto" foi providenciado pelo Parlamento Croata ao aprovar a proposta do Governo Tudjman de revisão da Constituição da República. Entre as mudanças propostas estava a definição do estado croata. O texto em vigor definia a Croácia como "um estado de croatas e sérvios", e a nova proposta retirou esse "... e sérvios". A reacção da população de nacionalidade sérvia da república, aproximadamente 20%, foi imediata. Reagiram inicialmente de forma política e, não tendo obtido resultados, declararam-se separados da Croácia. Foi assim criada a chamada Região Autónoma de Krajina, composta por 13 municípios.
Organizaram-se em todos os níveis, quer político, administrativo e militar. Argumentaram pelo receio da repetição novamente dos massacres como aconteceu entre 1941 e 1943. Para além, dessa área, os sérvios estavam espalhados por todo o território da Croácia. Por tal motivo, passaram a sofrer represálias por parte da população e do governo croata. Como a toda a acção corresponde uma reacção, os sérvios passaram a vingar cada ofensa com outra maior e os conflitos generalizaram-se.
À medida que os conflitos se alastravam, o governo federal travava uma luta verbal com o governo croata, acusando-o de importação ilegal de grandes quantidades de armamento. O ponto culminante desse conflito foi a divulgação nos média, de grande quantidade de armas importadas ilegalmente através da Hungria. O conflito entre governos estava definido. Nessa ocasião, a Croácia divulgou que se separaria, formalmente, da Jugoslávia a 30 de Junho de 1991, e a Eslovénia a 26 de Junho do mesmo ano.
1) Origem dos Povos Balcânicos
Os primeiros eslavos começaram a chegar à região durante o Século VII, vindos da Bielorússia. À medida que ocupavam a região, iam empurrando os habitantes originais, os albaneses, que acabaram por ficar comprimidos na Albânia de hoje.
Como a região se constituiu num importante corredor entre o Ocidente e o Oriente, os eslavos acabaram por sofrer influências diferenciadas, identificando-se mais com o Oriente ou com o Ocidente. Os sérvios, mais expostos às ondas de conquistadores, forjaram em si um espírito mais aguerrido, sendo a sua capital, Belgrado, destruída inúmeras vezes. Movidos pela necessidade constante de defender-se, os sérvios organizaram-se melhor (reino, exército e maior resistência aos invasores). Apesar disso, a parte sérvia da região esteve ocupada, de 1389 a 1837, pelos turcos do Império Otomano e, de 1941 a 1943, pelas forças nazis.
Durante o mesmo período, croatas e eslovenos permaneceram sob o domínio de outros povos, nomeadamente, os húngaros. Desse processo resultou a diferença principal entre os três povos que é a religião. Os sérvios, por inspiração russa, abraçaram o catolicismo ortodoxo e, croatas e eslovenos, em razão do domínio húngaro, o catolicismo romano, conforme referimos.
Com histórias tão diversas, só em duas oportunidades tentaram unir-se, sem êxito. A primeira vez, em 1918-1941, resultou num massacre de cerca de 800 mil sérvios na Croácia. A segunda tentativa, 1946-1991, produziu os funestos resultados que conhecemos.
A longevidade da segunda tentativa de união só se explica pelo estilo de governar do Marechal Josip Broz Tito. Vários eram os campos de concentração criados pelo seu governo, para "hospedar" os inimigos políticos, sendo o mais famoso localizado numa ilha das costas adriáticas, denominada Goli Otok (Ilha Nua). Para se ter uma ideia da voracidade do titoísmo (versão pessoal de Tito para o Comunismo), era voz corrente na região que o seu governo fez mais vítimas que a II Guerra Mundial, e vitimou seis por cento da população do país. Os nazis foram confrontados, de 1941 a 1943, por dois líderes militares: Tito e Draja Mihajlovic. Expulsos os alemães, uma das primeiras acções de Tito foi mandar executar Mlhajlovic.
2) Invasão dos Balcãs pelo Império Otomano
– O sultão Ali Pacha invade a região, em 1389 (Batalha do Kosovo). O Rei sérvio morre em combate.
– Belgrado é destruída e ocupada. – Cinco séculos de guerra de guerrilha (nunca houve rendição).
– Surgimento dos sérvios-muçulmanos. Os turcos passaram a "raptar" todos os primogénitos sérvios e a mandá-los para a Turquia para que fossem educados na fé muçulmana. Ao retornarem, tornaram-se grandes inimigos dos sérvios. Daí, surgiram os muçulmanos da Bósnia. A Constituição da Jugoslávia de 1973, reconheceu-os com a nacionalidade, caso único no mundo em que o credo é sinónimo de nacionalidade.
– Expulsão dos turcos em 1837. Novo Reino Sérvio em 1903.
3) Reino de Sérvios, Croatas e Eslovenos
Em 1914, o Príncipe Ferdinando, herdeiro do trono Austro-húngaro, foi assassinado por um sérvio, em Sarajevo, como reacção à recente anexação da Bósnia-Herzegovina àquele Império. Esse incidente provocou o início da I Guerra Mundial. No final da guerra, o Império Austro-húngaro estava desfeito.
Croatas e eslovenos, após séculos de submissão aos húngaros, sentiam-se ameaçados e propuseram em 1918, uma união ao Império Sérvio. O rei seria sérvio. Os problemas, desde então, foram inúmeros e culminaram com o assassinato do rei, por um croata, em 1934. A preocupação maior do povo croata era a hegemonia sérvia. A consequência desse incidente foi uma onda popular incontrolável de repulsa ao povo croata.
Como o príncipe herdeiro tivesse apenas onze anos de idade, sobe ao trono um príncipe regente, que governou até 1941.
4) Invasão da Jugoslávia pelos Nazis
No final de 1940, o príncipe regente assinou com a Alemanha e a Itália o chamado Tratado Triangular. O povo, que não fora consultado, manifestou-se de tal forma contrário a esse acto, que o príncipe regente renunciou.
Prestes a completar dezoito anos, sobe ao trono o príncipe herdeiro, que, ouvindo o grito do povo, denuncia o Tratado Triangular, assinado pelo seu antecessor. A reacção de Hitler foi imediata. Em abril de 1941, auxiliado pela Itália, Hungria e Bulgária, Hitler invade a Jugoslávia, o príncipe exila-se na Inglaterra. As forças armadas são desbaratadas, as perdas são imensas. Hitler avança pelo país e Belgrado é ocupada em poucos dias. Mais uma vez, não há rendição. O cidadão Josip Broz Tito e o Tenente-Coronel do exército jugoslavo Draja Mihajlovic organizam, separadamente, grupos de resistência. A luta é sangrenta. As forças guerrilheiras não dão quartel aos nazis, que também sofrem pesadas perdas.
O avanço das forças nazis foi facilitado por um facto imprevisto. Após três dias de combate, a Croácia incapaz de fazer frente à pressão do III Reich e, desejosa da liberdade, rendeu-se a uma engenhosa proposta de Hitler; em troca da promessa de tornar-se um estado independente após a guerra, e deslocou-se para as hostes nazis, passando a combater os seus compatriotas sérvios. A Eslovénia já estava subjugada. Residem por tal motivo os maiores ressentimentos entre os dois povos, uma vez que, morreram cerca de 800 mil sérvios residentes na Croácia (uma limpeza étnica). Em 1943, os nazis são expulsos da Jugoslávia.
5) Proclamação da República Socialista Federativa da Jugoslávia
Expulsos os alemães, um sexto da população havia perecido, mas o país era vitorioso. Com o fim da guerra, Draja Mihajlovic, monárquico convicto, manifestou o desejo de promover o retorno do príncipe, que se exilara na Inglaterra. Tito, que tinha outros planos, determinou a sua execução e a dos seus principais colaboradores.
Como único líder, Tito proclamou, em 1946, a República Socialista da Jugoslávia. Após rápida aproximação com a URSS, a Jugoslávia, em 1948, desalinhou-se do bloco socialista. Devido à maneira extremamente personalista de governar de Tito, o socialismo Jugoslavo é, às vezes, chamado de titoísmo.
Em 1973, sentindo a situação interna muito tensa, Tito promulga uma nova Constituição que, entre outras medidas, concede maior autonomia às repúblicas e províncias e declara vitalício o cargo de presidente da república, que ocupava desde 1946.
Com a morte do grande líder, em 1980, a Jugoslávia começou a sofrer da falta de uma liderança forte que lhe pudesse determinar o rumo. Além disso, agravavam-se os problemas económicos do país. A partir da morte de Tito, a presidência do país passou a ser exercida por um colégio em que todas as repúblicas eram representadas, com os representantes revezando-se anualmente no cargo de Presidente.
Esse arranjo, naturalmente, não satisfazia os anseios dos diversos povos que, na verdade, já não se sentiam tão entusiasmados com a união. Dessa forma, começam a surgir as lideranças locais, cada uma delas, após constatar a impossibilidade de suceder a Tito, pugnava pela independência da sua república. Assim, na Sérvia surgiu Slobodan Milosevic; na Croácia, Franjio Tudjman e na Bósnia, Alia lzetbegovic.
6) Desmembramento da União Soviética
O clima na Jugoslávia era tenso. O desejo de separação em cada república era manifestado abertamente. Foi nesse ambiente que começaram a chegar ao país as notícias do desmoronamento da URSS. A queda do Muro de Berlim funcionou como uma senha. O desejo de se separar transformou-se em decisão. Campanhas públicas contra o poder central estalaram nas ruas. Foram abertas feridas antigas e ódios históricos, especialmente entre a Sérvia e a Croácia. A igreja, símbolo histórico da resistência, volta à cena.
7) Declaração de Independência das Repúblicas
O processo foi disparado a partir da Assembleia Extraordinária da Liga Comunista da Jugoslávia (LC), realizada em Janeiro de 1990. No segundo dia, a delegação da Eslovénia retirou-se, seguida da Croácia. Segue-se a proclamação da independência de ambas, em 26 de Junho de 1991. No ano seguinte separam-se também a Bósnia-Herzegovina e a Macedónia.
8) O Problema das Forças Armadas da Jugoslávia
As Forças Armadas da Jugoslávia tinham a seguinte constituição: o Exército Popular da Jugoslávia (EPI), era formado por força naval, terrestre e aérea; Força de Defesa Territorial que era uma força terrestre circunscrita a cada república. Sendo o efectivo do EPI proporcional à população de cada república, e tendo a Sérvia mais de um terço da população do país; os sérvios sempre foram mais numerosos no EPI. À medida que a crise no país se aprofundava, o percentual de sérvios crescia ainda mais. O resultado foi que, com a retirada do EPI da Eslovénia e da Croácia, os componentes sérvios foram enviados para a Bósnia e para a própria Sérvia. Esta é uma das razões pelas quais os combates na Bósnia foram tão dramáticos. Para o EPI, permitir que a Bósnia se tornasse independente significava desemprego numa economia degradada.
9) Conjuntura dos Novos Estados
a) Eslovénia – Católica romana, língua eslovena, etnicamente pura, integrada com o Ocidente. Independência consolidada.
b) Croácia – Católica romana, língua croata (durante a união era servo-croata), 23% de sérvios, 30% do território em poder da população sérvia. A ONU manteve um corredor de isolamento para evitar o recrudescimento das lutas.
c) Bósnia-Herzegovina – religiões: islamismo, católica romana e católica ortodoxa. Habitada por muçulmanos, sérvios, croatas e outros. Alguns factores carregam de incerteza o futuro do país:
– O facto da liderança muçulmana pretender dar ao país o "status" de república islâmica;
– A composição e distribuição étnica do país; ambição política de cada uma das partes, criando uma barreira às possibilidades de formação de um governo de coalizão.
d) Macedónia – católica ortodoxa, população homogénea, língua macedónica, grega e búlgara. Enfrentou problemas com a Grécia, mas está a tornar-se estável.
10) Os Grandes Problemas da Região. Questão Territorial
Existem na região várias questões de natureza territorial: os sérvios na Croácia ocupam cerca de 30% do seu território; os sérvios e croatas na Bósnia é o mais grave problema do país. Entre as várias teorias levantadas para sua solução está a cantonização, mas restaria a questão da propriedade privada;
– Costas da Croácia, Bósnia e a Nova Jugoslávia têm pretensões sobre parte do litoral croata, por questões económicas e estratégicas.
Questão de Política Interna
Persistem muitas reivindicações entre as repúblicas, baseadas nos investimentos especiais feitos pela Federação Jugoslava, durante o regime comunista. Contra: a Eslovénia, Macedónia, Nova Jugoslávia, Croácia e Bósnia. Motivo: a única central nuclear do país, universidades, hospitais, estações de rádio e de televisão. A Eslovénia era o postal do regime. Contra: a Croácia – Eslovénia, Bósnia, Macedónia e Nova Jugoslávia. Motivo: os modernos portos do Adriático, especialmente o de Split.
Além disso, existe o temor geral do poderio militar sérvio e as questões de independência do Montenegro, Voivodina e Kosovo. O problema do Kosovo é muito complexo, já que a sua população é composta de 90% de albaneses muçulmanos e no seu território estão as raízes históricas da Sérvia.
Questão Religiosa
A presença muçulmana na Bósnia e no Kosovo inquietam a Europa. O conflito centenário entre católicos ortodoxos (croatas) e católicos romanos (sérvios).
Questão de Política Externa
Persistem, entre vários países da região, questões históricas com inquietante potencial desestabilizador.
A Albânia e a Nova Jugoslávia; a questão do Kosovo. A Grécia e a Macedónia – "Macedónia" é o nome da maior região natural da Grécia. Por esta razão, este país luta intensamente junto da comunidade internacional contra o reconhecimento do nome do novo país. Nova Jugoslávia e Croácia. Irão e o Mundo Árabe. A presença muçulmana na área. A aliança histórica entre a Sérvia e a Rússia inquieta a região.
A Alemanha, Itália, Áustria, Hungria e a Bulgária e os ressentimentos contra os sérvios por força, ainda, da II Guerra Mundial.
Da multiplicidade de factores que alimentaram e continuarão a alimentar a crise balcânica, um parece predominar, que é o religioso. As tentativas de equacioná-lo têm esbarrado com alguns obstáculos até aqui insuperáveis.
Em primeiro lugar, os organismos internacionais, nomeadamente a ONU e a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), mostraram-se incapazes de resolver a questão. Muitas pareceram ser as causas da incapacidade, entre elas, sendo de destacar:
– Parcialidade demonstrada por esses organismos em alguns estádios da crise, aliada à falta de objectividade, o que resultou numa perda de credibilidade junto às partes envolvidas na crise; falta de vontade política da comunidade internacional; como interesses conflituantes dos países que detém assento na ONU (Rússia, EUA, Inglaterra); sentimento ambíguo em relação à Bósnia-Herzegovina; por um lado não desejavam a permanência muçulmana no poder e, por outro, não queriam privilegiar os sérvios que poderiam ampliar a sua influência na região; a presença sérvia na Croácia continuava a representar grande fonte de preocupação para a comunidade internacional, principalmente porque resultava na entrada da Sérvia no conflito, resultando na internacionalização da guerra de consequências imprevisíveis, que veio a dar-se e que todos conhecemos quais os resultados;
– Por fim, é importante ressaltar que a presença dos sessenta mil soldados da OTAN não acalmou a situação e esta teve de intervir. Todavia passado o terramoto, as questões geradoras da crise continuam intactas.
Analisar a crise da Europa de Leste a partir da crise jugoslava não é tarefa fácil. Objectivar a situação com algumas incursões pelo campo económico, psicossocial e militar, tem de privilegiar o processo histórico, em sentido lato, uma vez que a realidade existente foi por nós apreciada em anterior ensaio. O passeio é feito através dos factos históricos na região, desde o Século VII até à presença das forças da OTAN, antes do seu ataque bárbaro à Jugoslávia, com a justificação de humanitário. Todavia ficam as palavras de Alan Woods a 27 de Abril de 1999, e que são as mesmas que se aplicariam à invasão do Iraque pelos americanos e seus aliados. Que não haja confusão: o principal inimigo do povo jugoslavo está, talvez neste momento, a sobrevoar os céus do seu país. A NATO, a ONU e o imperialismo americano