Se abrirmos um dicionário de português e quisermos saber o que é político, que tem dupla origem, quer do grego politikós, quer do latim politicu, que significa relativo à política ou aos negócios públicos; ou aquele que trata da política. Se voltarmos a procurar no dicionário os significados de política é-nos dado como ciência do governo das nações; arte de dirigir as relações entre os Estados; princípios que orientam a atitude administrativa de um governo; conjunto de objectivos que servem de base à planificação de uma ou mais actividades. A primeira obra sobre a Política é escrita por Aristóteles, mais que um tratado, é uma colecção de formulações (logoi), destinadas a servir de base à exposição oral, e que é composta por oito livros, que são: I - A natureza da cidade e os seus elementos; II – A crítica das constituições; III - A teoria da cidadania e tipos de regime; IV – A pluralidade de regimes constitucionais; V – A teoria das revoluções; VI – Democracias e oligarquias; VII - A felicidade e o regime melhor; VIII – A educação dos jovens.
A Grécia, em meados do século V a.C., além de possuir conglomerados urbanos organizados, bem constituídos e definidos, as conhecidas Cidades-Estado ou Polis, (Atenas, Esparta, Tebas, Corinto, Argos) onde um conjunto de reformas administrativas, que emolduram a futura democracia ateniense, e a instituição vigorosa da famosa democracia, cujo auge é atingido no governo de Péricles e que daí se estendeu à República Romana em 146 a.C. por força da ocupação, dá-nos a primeira a primeira noção de sistema político que hoje é o grande paradigma da sociedade neoliberal. Sem democracia não existe a possibilidade de se poder falar de política como dizia Aristóteles, e se voltarmos de novo ao dicionário temos que democracia tem origem na palavra grega demokratía, que significa, o sistema político fundamentado no princípio de que a autoridade emana do povo (conjunto de cidadãos) e é exercida por ele ao investir o poder soberano através de eleições periódicas livres, e no princípio da distribuição equitativa do poder; país em que existe um governo democrático; governo da maioria; sociedade que garante a liberdade de associação e de expressão e na qual não existem distinções ou privilégios de classe hereditários ou arbitrários.
Mas a definição e o conteúdo da Política de Aristóteles evoluem ao longo dos tempos, tornando-se hoje por via dessa aceleração histórica demasiado fluida para se dar uma definição do que é política, mesmo que essa definição seja limitada à compreensão moderna do que o conceito de política quer dizer. Esse conceito é ao mesmo tempo objecto permanente de discussão, no qual se reflecte a diversidade de abordagens e tradições que contribuíram para a redacção dos textos do corpus da chamada filosofia política nascida com Aristóteles, e que hoje dá foros de cidade à teoria política moderna.
Todos os filósofos e cientistas políticos desde Friederich Hegel e Alexis Tocqueville, como Karl Marx, Jean Jacques Rousseau e Hannah Arendt, entre outros, se têm debruçado sobre esta matéria, para não falarmos das correntes sociológicas que são vastas, onde sobressaem as divergências que não dizem respeito apenas às respostas que seriam dadas a um conjunto de questões sobre as quais existiria concordância geral.
As questões principais variam, no contexto das interligações da política, com a economia, a sociedade, o direito e as suas implicações, como a liberdade, a emancipação, etc., que são interpretadas de forma diferente de quem analisa, havendo vários critérios e propostas de caracterização que dificulta o encontro de um caminho único para a proposta de um conceito de política actual. A política como modus é dinâmico, evolutivo, mas contraditório em si mesmo, tornando-se dialéctico. Mais ainda, se torna difícil se tentarmos no meio das transformações que sofre, enquanto fenómeno também (não vamos entrar na Fenomenologia de Edmund Husserl) no contexto da chamada globalização, que induz um outro entendimento da política, assim como as consequências que devemos retirar no plano conceptual.
A compreensão das variações da política não dizem respeito unicamente às posições dos estudiosos do tema que defendem uma ou outra definição, mas à diversidade das diversas tradições nacionais, e as conjunturas que o podem moldar. Existe um crescente risco de elevar à condição de essência da política, uma determinada forma vivencial e compreender, e que corresponda apenas à experiência de uma geração, no espaço temporal curto de uma ou mais décadas, e num espaço geográfico limitado.
Não é possível compreender de forma séria Nicolau Maquiavel sem levar em conta as lutas internas e externas das Cidades-Estado da Itália do século XV, Thomas Hobbes sem o suporte de fundo das guerras religiosas, Friederich Hegel sem as guerras travadas por Napoleão, as lutas de libertação sem a obra dos grandes Reformadores, por exemplo. Nada mais simples que essa exigência de contextualizar, na bondade que se torna recordar antes de nos aventurarmos, na base de uma experiência que também se limita de forma geográfica e temporal, em diagnósticos audaciosos sobre o estado presente e a provável transformação do conceito moderno de política. Querendo com isto dizer, que os que falam em mudanças no presente e acreditem fazer uma leitura contemporânea das novas premissas, para uma compreensão nova da política devem sujeitar-se à exigência metodológica mínima de precisar o modus operandi ou faciendi do seu diagnóstico. Somos obrigados a dizer tudo isto, nesta abordagem, porque os actores principais das sociedades, nomeadamente, os detentores do poder, a todo o momento tentam inventar situações e criar factos, que chamam de política, que pretendem dar efeitos políticos e muitas vezes têm essas consequência, sem saber muito bem o modus faciendi, o que vem a produzir uma confusão generalizada, quer na política concretizada na sociedade, no seu descrédito e no seu desnorte. Quase todos os políticos sofrem desse prejuízo, que trás consequências graves em termos societários, e depois pergunta-se, mas política é justiça? política é democracia? justiça é democracia?, e por muito que se escreva parece que ninguém quer entender às interligações, e que o simples acto de falar não é componente muitas vezes do conceito de política, nem o complementa, não é doutrina, não é direito. Por vezes serve só fins de promoção para quem pronuncia um discurso e lhe quer atribuir significado e efeito político, mas dele nada existe que se possa considerar como acto de política. Criar factos políticos, possível será, mas não será política. O Professor Marcelo Rebelo de Souza, que admiro como jurista, mas não como analista político, sempre teve a ideia de que assim eram, mas nunca deram o resultado pretendido, a não ser temporalmente em termos de promoção e efeito psicológico do riso provocado ou da dúvida ou certeza não comprovada. Deixando a sopa de vichisoise vendida ao Dr. Paulo Portas, essa sim fez facto político, com as devidas consequências, continuamos a nossa rota, para tentarmos chegar a uma conclusão no mínimo compreensível.
Os acontecimentos que sempre marcam uma época não são muitas vezes identificáveis de maneira relativamente precisa, e só percebíveis passadas várias décadas, ou mesmo séculos. O saque de Roma pelos tropas (mais bandos de assaltantes) de Alarico serviu a Santo Agostinho, de suporte para escrever a Cidade de Deus, mas, como se sabe, quando terminou a sua obra, há muito os habitantes do Império Romano se encontravam calmos quanto ao destino do Império que acreditaram estar em definitivo encerrado, com a queda de Roma, pelo que a eficácia do mesmo se perdeu.
Modus operandi ou faciendi do diagnóstico, menos que de cálculo. Por falta dele o Presidente George Bush, o Primeiro Ministro Tony Blair estão metidos em apuros, relativamente à invasão do Iraque sem mandato da ONU, baseado na falsidade de existência de armas de destruição massiva, e poderá ser a perda das eleições que terão de disputar. Talvez seja o mais certo, com o começo a dar-se com a perda das eleições espanholas por Rajoy por causa da falta de diagnóstico de Aznar e do Partido Popular, que leva Zapatero do PSOE, a ganhar numa reviravolta sem precedentes. Talvez o Primeiro-ministro José Manuel Durão Barroso comece a ter insónias quanto ao futuro. Um simples panchão no dia da inauguração do Euro 2004, pode deitar abaixo o governo metaforicamente. O sentimento, muito compartilhado hoje, de que a política não é mais o que era, de que provavelmente não pode mais vir a ser, como o foi em tempos mais recuados de uma época vivida do pensamento é uma questão possível. Parece-nos bem que não, porque em primeiro lugar, provém da perda dos limites e valores, em função dos quais se determinavam os compromissos e tomadas de posição política durante as três décadas que se seguiram ao fim da II Guerra Mundial, que ditavam uma certa interpretação da oposição direita vs. Esquerda, por exemplo, que estruturava de forma profunda o campo da política, antagónico na sua substância, ou seja, constituído por oposições e lutas, e que se torna cada vez mais difícil dar um conteúdo preciso. A essa perda de limites e valores está ligada à aparência ridícula dos jogos políticos tradicionais. Na ausência de situações verdadeiramente importantes em jogo nas oposições entre os partidos que disputam entre si as responsabilidades governamentais, a imagem dos políticos no seu conjunto tende a confundir-se com o que Max Weber de forma irónica denominava como políticos que eram profissionais sem vocação para a política. Ou seja perderam o sentido de Estado. Assim, também, Weizäcker, diria que um político profissional não é um especialista ou um apaixonado, mas apenas o detentor de um saber geral que é o de combater o político que é seu adversário. Parece que vivemos esse tempo. E Portugal vem sendo um exemplo, bem como a Itália, Espanha, etc.,. Parece-nos que esse desfasamento entre a cena política, entendida num sentido estrito, e as preocupações e expectativas dos cidadãos eleitores é um fenómeno que volta de novo às origens na história dos sistemas parlamentares modernos, e que se torna necessário usar do princípio da precaução ou da prudência, antes de deduzir a partir daí o não uso irreversível dessas formas clássicas de expressão política.
Torna-se muito duvidoso invocar esse fenómeno para concluir uma mudança radical do conceito de política que afectaria o papel do próprio Estado. A qualidade central que o Estado ocupa na compreensão moderna do político, reporta-se à formação do Estado-Nação, o que significa, um processo histórico esboçado desde o século XVI, confirmado, reflectido, e elaborado teoricamente no século XVII, muito antes dos partidos políticos adquirirem o papel institucional que conhecemos. Muito importante, a contrario, parece ser o sentimento de uma crescente impotência do Estado em assegurar tarefas que não lhe competem, apenas o fazendo num passado recente, mas que durante uma grande parte do século XX, ainda que temporalmente para cada país, têm sido uma das principais fontes da sua legitimidade.
Assim, o mal-estar que afecta a política no presente, obriga-nos com urgência a repensar o seu conteúdo conceptual, o que traduz a crise de uma figura historicamente determinada do Estado moderno, a do Estado-Providência que nos últimos 25 anos produziu na maior parte dos países europeus e desenvolvidos grandes alterações económicas, sociais, culturais, e da consciência da cidadania, que implicaram que o Estado fosse no seu papel reajustado no sentido da promoção das políticas de bem-estar, conquista do período que se seguiu à II Grande Guerra, segundo a fórmula sugerida por Robert Castel com argumentos convincentes, do Estado social, e cuja sua capacidade de cumprir os compromissos de uma política social, seria o teste da sua capacidade em todas as demais. A aposta do debate é evitada quando se pretende que uma política social diferente, é incompatível com a procura de uma política económica pensada como realista e responsável. É dado como caso decidido que a aceitação das leis do mercado não deixa nenhuma margem de manobra, o que produziria na negação da própria possibilidade da acção política. O Estado social falha em detrimento do económico. Os governantes têm a teimosia de que à custa do desemprego (não vamos juntar todos os factores ou elementos condicionantes do desempenho das economias), se pode reduzir défices públicos. Está mais que provado e não é preciso ler Joseph Stiglitz e Globalization and its discontents, para descobrir que desinvestir no sector público, contrai a economia, por arrastamento, o sector privado, o consumo, a procura e o desemprego, que fez desacelerar o crescimento económico. (Por causa desse cumprimento da meta dos 3%, um critério do Pacto de Estabilidade e Crescimento, que Portugal cumpriu como muito poucos e se situou em 2,8%, não o foi pela Alemanha e pela França etc., que violou os Tratados e que não foram sujeitos às sanções previstas nos mesmos Tratados da União, aprovado pelo Conselho e cuja Comissão decide accionar o Tribunal Europeu das Comunidades Europeias, mas que vamos debater em pormenor esse facto, de extraordinária importância), à custa da miséria, do desemprego (200.000), em Portugal, valendo-nos a consolo de mais países estarem em situação igual ou pior etc. O Estado é o garante da promoção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Onde o governo como poder executivo do Estado decide que os cidadãos não devem ter futuro, que significa não ter direito à vida, porque não têm trabalho ou vivem de contratos precários, não se podem chamar de governantes na responsabilidade constitucional que lhes foi atribuída no sentido de servir os cidadãos. Parece que mesmo num Estado hegeliano absoluto, ele só existe porque existem cidadãos, os governados. Se não são cumpridas as políticas sociais, o governo perde a legitimidade e o Estado é uma folha de papel apenas (constituição). Tudo isto independente de quem governa, de que partido seja, ou que ideologia carregue. Segundo Samuel P. Hutington, passámos da guerra das ideologias em 1989, para a das civilizações.
Voltando ao modus operandi ou faciendi do diagnóstico, o conceito de política que hoje comprovamos ser problemático é aquele de uma época limitada da história do Estado e, por consequência, da política dita da moderna. A questão, continua aberta, será que considerarmos simplesmente uma página da história da política moderna, ou antes a crescente incapacidade do Estado de manter a condução da sua política social indica uma transformação fundamental, um deslocamento das entidades de decisão que compromete o futuro dos povos e coloca em risco a figura da política, sendo que o conceito da política praticada no presente, tem tendência a ser alterada em relação à que se articulava em torno da soberania dos Estados?
A esta questão torna-se necessário analisar quais os efeitos da globalização sobre o conceito de política, em que se podem levantar algumas objecções de maior tomo.
É discutível o facto de que a globalização pode ser o fim da soberania dos Estados. Não pretendemos criar debates, por não ser a sede própria, também no respeito à diversidade de pensamento, o que sempre implicaria a criação de uma lista minuciosa de competências económicas, jurídicas, militares também, etc., que os Estados conservam ou transferem a entidades diversas, entidades civis sem carácter político no interior dos seus territórios, tais como Bancos Centrais (independentes, por oposição na União Europeia ao Banco Central Europeu), entidades económicas supranacionais (Banco Mundial ou FMI), entidades políticas ou quase políticas (ONU, instituições europeias etc.. Seja qual for o resultado que se venha a extrair dessa lista ou elenco, pode-se tomar como conclusão, que no presente não vivemos um processo de perda de soberania total do Estados em proveito de novos poderes políticos, supranacionais, regionais ou transnacionais, convocados a substituí-lo (Estado) num futuro próximo. Neste particular e nas transferências de soberania dos Estados-membros da União Europeia, para as instituições europeias no quadro dos Tratados da União Europeia, não vamos abordar, por o estarmos a fazer na nossa série de escritos sobre a União. Nenhuma entidade política, seja a nível regional ou mundial, está em condições de reivindicar, a curto ou médio prazos, a totalidade das competências do Estado nacional. Essa forma e grau de compatibilidade, que o Estado pretende mostrar no sentido positivo ou negativo, no sentido de manter algumas prerrogativas, não nos faz passar ao largo do essencial da noção de soberania, a qual não se pode esgotar por uma enumeração das funções do Estado.
Tudo isto, pode nos fazer reflectir sobre as diferenças entre as funções particulares do Estado, de certo modo duvidosas, e as suas funções gerais, que são, antes de mais, as que consistem em assegurar a integração e coesão sociais. Salvo reduzir essa função essencial, a medidas simplesmente de polícia, lógico será, que o seu desempenho em grande parte será feito no plano do simbólico, e que essa dimensão simbólica do poder do Estado, não é dissociável do conjunto dos seus serviços, podendo-se pôr em dúvida, se um Estado que se revele abertamente como simples correia de transmissão dos imperativos de um mercado internacional indiferente ao bem estar dos cidadãos, se poderia por esse facto sustentar de forma duradoura o sentimento da identidade pertença da cidadania como parte dos seus componentes.
E desvio de rota dada a importância, que é a introdução na forma correcta da educação cívica (componente da cidadania, que a diário vem fazendo parte dos discursos políticos, pelo mundo, sem saberem muito bem no que consiste, na sua forma de promover e implementar. Tema pouco estudado, divulgado, pesquisado e não vamos falar dos nossos trabalhos a nível académico, para não ser escrito sobre escrito, mas a tão crucial tema viremos brevemente), na escola, com carácter obrigatório, que ajudará a formar cidadãos mais conscientes e responsáveis, e corrigir uma imagem do Estado fabricada no quotidiano das vivências e vínculos concretos da sua presença como por exemplo o dos serviços públicos, as intervenções repressivas para a manutenção da ordem pública, ou da sua ausência como a impotência da resolução do desemprego crescente, à morosidade da justiça na composição ou resolução de conflitos, que causam prejuízos a quem a ela recorre e que a meu nosso ver, sendo o Estado passível de se tornar responsável pelos prejuízos causados, à insegurança etc. Pense-se, a título de exemplo, no caso de um processo que leva dez anos a ser decidido entre a proposição de uma acção declarativa condenatória na forma ordinária e o fim da execução para pagamento de quantia certa baseada na sentença condenatória que lhe serviu de título e o efectivo pagamento. Em dez anos o proponente, que recorre à justiça para minorar os seus prejuízos pela falta de pagamento, é-lhe aumentado de forma dramática pela própria justiça o prejuízo. Se se trata de uma empresa, pode a mesma falir, encerrar a actividade, ou perder clientes, sendo os prejuízos incalculáveis. Fatalmente, o Estado é responsável por essa morosidade, transformada quase em denegação da justiça. Justiça que não é célere não é justiça, e não serve a cidadania. Tantos são os países em que estas condições são a regra, quando nem a excepção deveria ser permitida. Tantos são os países em que a função e papel do advogado é relegado para um plano quase simbólico ou sem o estatuto e dignidade de colaborador na administração da justiça.
Voltando de novo à estrada e colocando a soberania do Estado no coração do conceito moderno de política, será que não escolhemos uma tradição moderna em detrimento de outras, que sublinharão, de preferência, as múltiplas expressões da participação das massas sob as formas institucionalizadas ou selvagens que vão do voto à greve e à manifestação de rua, passando pela discussão das decisões governamentais nos jornais e pelos diferentes foros onde a opinião pública se forma, e mediante os quais exerce uma influência incontestável nas decisões dos políticos e, por consequência, nos destinos da comunidade?
Será que não sacrificamos, a dimensão da cidadania em favor de uma concepção conformada pela decisão política, que recorrerá a Thomas Hobbes e ao The Leviathan, a Friedrich Hegel, ou Max Weber ou mesmo Carl Schmitt, em substituição de Nicolau Maquiavel e do Princípe ou dos Discursos, de Immanuel Kant teórico do direito público, de Karl Marx na relação do capital e trabalho? Teóricos desta matéria que tentam instituir clivagens no conceito e repousam sobre mal entendidos segundo nos é dado perceber.
Porque fazer do poder o atributo essencial do político, para nos agarrarmos à à definição de Max Weber que política segundo a sua concepção era aspirar à participação no poder ou à influência na divisão do poder, quer seja entre Estados, quer seja no interior de um Estado entre os grupos humanos que ele envolve, não implica de alguma forma, negar a realidade e a complexidade do espaço público, nem contestar que todas as formas que assumem o suporte ou resistência dos cidadãos às decisões dos detentores do poder do Estado, como a abstenção a votar, participam da efectividade da política no sentido moderno se assim se pode chamar do conceito.
É esse carácter de mudança frequente de forma da política, resultado de uma história em que desempenharam um papel decisivo as lutas políticas e sociais da segunda metade do século XIX e da primeira do século XX, que torna hoje, dificilmente sustentável a distinção que o século XIX estabeleceu entre Estado e sociedade civil. O paradigma no qual Hegel, e depois dele Lorenz von Stein que concebeu em 1865 a teoria da administração da vida económica, para compreender as diferentes formas da actividade do Estado na produção, ditribuição e consumo, ou Robert von Mohl que reflectiu sobre a diferença das sociedades modernas em relação à sociedade individuais e empresariais, e que no seu tempo não funcionaria quando se tratava do funcionamento de Estados cuja acção administrativa se estende aos aspectos mais íntimos da vida privada, instituindo deveres e garantindo direitos em domínios que até há pouco dependiam do livre arbítrio ou da sorte de cada individúo como por exemplo, o dever de assegurar a subsistência dos seus ascendentes ou descendentes, o direito ao salário mínimo ou à aposentação. Que esse paradigma, que é a diferença e oposição entre a sociedade e o Estado esteja há muito obsoleto não impede, entretanto, que o Estado continue a organizar de maneira privilegiada o espaço da política. Convém ainda relembrar em novo desvio que a teoria alemã do Estado de Direito encontrou a sua forma científica em Robert von Mohl, que em 1832, alcança o reconhecimento académico, considerando que o Estado de direito seria uma contraposição ao Estado absoluto, como protector e encorajador do desenvolvimento das forças naturais, mediante uma garantia para a liberdade dos indivíduos.
A crise que o Estado conhece hoje nas sociedades europeias e não só, o défice de legitimidade que o desinteresse eleitoral eventualmente testemunha e, com mais frequência, o carácter inconstante dos eleitores, não diz respeito ao Estado em geral (este é uma abstracção, e os fundamentos da sua legitimidade, uma questão para os teóricos), mas à forma particular com a qual ele progressivamente se revestiu na segunda metade do século XX, cujos traços se delinearam após a II Guerra Mundial e da qual se pode voltar à génese, ao menos ideológica, do começo do século passado. Mas se as funções características do Estado social, tornam fluida a distinção entre sociedade e Estado, este permanece uma entidade decisória. É nesta qualidade que o Estado é interpelado por indivíduos, e pela comunidade em geral, fazendo-o destinatário dos seus protestos e reivindicações, não importando as clivagens políticas; o liberalismo, entendido de forma política, e as doutrinas estaticistas (alemãs Der Staat-O Estado) nas suas diferentes variantes, detém em comum o facto de atribuir de forma implícita ao Estado uma capacidade eminente de intervir nas múltiplas redes da designada socializada para as regular, hierarquizar, corrigir, conformar, implementar, executar, etc. A auto limitação que é reclamada pelos adeptos do liberalismo ainda é um acto de vontade. O poder do Estado não se comprova unicamente nas suas manifestações violentas, como as intervenções policiais, guerras, ou nas pesadas coacções impostas pela administração pública, mas também na faculdade que dispõe de responder às pressões que se exercem sobre ele, uma resposta que toma a forma de escolhas, como novas legislações, escolha dos meios e gastos do orçamento, etc. Nenhuma teoria do Estado, pode ser privada da componente decisionista, entendida nesse sentido; e só a confusão entre a forma da decisão e a arbitrariedade eventual das suas motivações, explica as espantosas resistências para reconhecer esta verdade tão evidente. Decisões onde a componente da cidadania não entre, ou seja, os cidadãos não sejam ouvidos, não terão legitimidade, e tratar-se-ão de pura imposição arbitrária e unilateral do poder do Estado. Menos ainda, quando essas decisões violem direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, quer os destinatários sejam o indivíduo, o grupo ou a comunidade em geral. Aí deixamos de ter academicamente o pseudo Estado social para ter um Estado polícia, asfixiante e ele próprio o violador do princípio da sociabilidade.
A análise do Estado moderno oscilou desde sempre entre duas balizas, se assim se pode chamar, dado que a tradução da palavra alemã correspondente não é precisa. O primeiro é o da ética, cuja questão central é a das identidades querem individuais quer as colectivas referentes à comunidade, da sua ordem e subordinação. Pondo a questão de outra forma, a filosofia política moderna, retomou a ideia aristotélica de uma organização teleológica das comunidades naturais, como seja o que vem definido na Política que acima referimos, em que a cidade é o fim de todas as comunidades naturais, substituindo o Estado nacional. O segundo baliza é o da relação entre os poderes, em que o Estado não se configura como um marco de identificação, mas como um aparelho, um corpus exercendo as funções da administração dos bens e dos indivíduos ou seja da comunidade. Dessa forma, está em relação aos demais poderes, em concorrência, por vezes até em sobreposição, algumas de usurpação, mas quase sempre exercendo a função no risco da existência de conflitos, mas também na da criação de compromissos e cumplicidades.
Desde a antiguidade grega que a filosofia privilegiou o primeiro limite, como seja o de que os problemas de carácter contratualista podem ser interpretados nessa perspectiva, e disso decorrem também as indagações clássicas sobre a cidadania ou a democracia, ao passo que as outras disciplinas, nomeadamente a sociologia ou a economia política, antes de se reduzir ao estatuto da economics, bem como os discursos críticos, como a crítica da economia política ou ainda a crítica da política, cujo projecto Karl Marx havia proposto, e do qual se podem encontrar os elementos em outros autores, escolheriam o segundo, e que cuja visão se dirige de forma prioritária às formas e meios de dominação que se exercem sobre os elementos integrantes do Estado, que aparecem mais na qualidade de súbditos ou de dominados, do que por exemplo, em Max Weber, o de cidadãos.
Podíamos talvez dizer que as duas perspectivas não podem ser inteiramente dissociadas uma da outra, e Hegel esforçou-se de uma forma considerável para tentar conciliar ambas, sem ter conseguido um entendimento universalmente aceite. Fica-lhe o ensinamento constante dos seus Princípios de Filosofia do Direito em que resume de forma magistral que o destino do homem é levar uma vida universal, e o seu dever supremo é ser membro do Estado. O seu mérito permanece, mas a política e quem a exerce, o político não tem conclusão, é sempre um princípio inacabado de um conceito sem fim. Por não ter fim a ele viremos em breve. Deixamos algumas ideias, para reflexão, para pensamento, porque no poema da pedra filosofal, sempre que um homem pensa, o mundo pula e avança como bola colorida nas mãos de uma criança. Mas nunca devemos esquecer que dos gregos herdámos o sentido do individualismo e da democracia, dos romanos herdámos os conceitos e as instituições e onde por via deles nos foram passados os valores judaico-cristãos, que hoje são o que nos distingue como civilização dita ocidental. Essa é a nossa matriz genética como europeus. Temos o dever de a usar e a responsabilidade histórica de a transmitir.