A União Europeia e o Alargamento (XIX)

“As nações longe de poderem bastar-se a si mesmas, são solidárias umas das outras, e que a melhor forma de servir o próprio país é garantir-lhe a ajuda dos demais mediante a reciprocidade dos esforços, e a cedência comum dos recursos”

Robert Schuman

Continuando a nossa rota pelo Conselho Europeu de Nice da União Europeia (UE) que decorreu entre 7 e 9 de Dezembro de 2000, no âmbito da Presidência do Conselho Europeu, assumida pela França em 1 de Julho do mesmo ano iremos depararar-nos com um Relatório da Presidência, que constitui o “Anexo VI”, e que aborda a questão da “Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD)”, começando pelo “Desenvolvimento das capacidades militares e reforço das capacidades civis de gestão de crises”. Assim em relação a este tema em concreto, bastante complicado, deparamo-nos que as As reuniões ministeriais com os Estados europeus membros da NATO que não fazem parte da UE e com outros países candidatos à adesão à UE realizadas no prolongamento da “Conferência de Empenhamento de Capacidades” permitiram acolher os anúncios das contribuições adicionais destes Estados na perspectiva da sua participação em operações dirigidas pela UE. Os Estados-membros alegraram-se com estas contribuições, que alargavam e reforçavam as capacidades disponíveis para operações de gestão de crises dirigidas pela UE. Os trabalhos relativos ao reforço do Estado de direito, segunda prioridade identificada no Conselho Europeu Feira, em Portugal, permitiriam determinar, nesse domínio, objectivos concretos coerentes com o desenvolvimento das capacidades da UE em matéria policial. O seminário sobre esse tema organizado em Bruxelas em 25 de Outubro de 2000 proporcionou uma primeira reflexão e permitiu que se definissem as primeiras orientações para a continuação dos trabalhos no âmbito do “Comité” encarregado dos aspectos civis da gestão de crises. No âmbito desses trabalhos, foi instalada no “Secretariado-Geral do Conselho” uma base de dados destinada a registar as capacidades dos Estados-membros em termos de restabelecimento do sistema judiciário e penitenciário. Realizam-se trabalhos relativos à cooperação com a Organização das Nações Unidos (ONU), a Organização de Segurança e Cooperação Europeia (OSCE) e o Conselho da Europa, trabalhos que deveriam prosseguir. A contribuição dos Estados não membros da UE para as operações civis de gestão de crises da responsabilidade da UE, designadamente para as missões de polícia da UE, seria analisada num espírito positivo, segundo modalidades que viessem a ser determinadas. Em anexo a esse relatório existe um documento em que se apresentam os elementos essenciais dos trabalhos realizados sobre os aspectos civis da gestão de crises. Como segundo aspecto deparamo-nos com as “Disposições que permitirão, na gestão militar das crises pela UE, a consulta e participação dos Estados europeus membros do Tatato do Atlântico Norte (NATO) que não fazem parte da UE e de outros países candidatos à adesão da UE”.

Convém recordarmos, sob pena de pensamentos dúbios que o “projecto da UE é um projecto aberto”. Para uma gestão de crises eficaz, a UE gostaria de beneficiar das contribuições dos Estados europeus membros da NATO que não fazem parte da UE e de outros países candidatos à adesão à UE, em particular daqueles que têm vontade e capacidade de empenhar meios significativos nas “Missões de Petersberg”*. Esta abertura devia respeitar, naturalmente, “o princípio da autonomia de decisão da UE”.

Dando execução às disposições acordadas n Conselho Europeu de Santa Maria da Feira, a Presidência lançou e manteve um diálogo regular e substancial sobre a PESD com os países em causa. Realizaram-se, assim, reuniões ministeriais em 21 de Novembro de 2000, no prolongamento da “Conferência de Empenhamento de Capacidades”. O diálogo desenvolveu-se igualmente a nível da Common Foreign & Safety Policy (CPSP que é o mesmo que Política Externa de Segurança Comum), que realizou reuniões da estrutura inclusiva em 27 de Julho, 2 de Outubro e 17 de Novembro de 2000, e ainda através de reuniões entre peritos militares destinadas a preparar as contribuições dos Estados terceiros para os objectivos de capacidades. Estas consultas vieram adicionar-se às reuniões realizadas a título do diálogo político entre a União e os seus parceiros. Em anexo ao dito relatório figura um documento sobre as “Disposições relativas aos Estados europeus membros da NATO que não fazem parte da UE e a outros países candidatos à adesão à UE”. Estas disposições permitiriam aos países, em conformidade com os compromissos assumidos, consultar com regularidade fora dos períodos de crise e associá-los da forma mais completa possível às operações militares dirigidas pela UE em tempo de crise.

Importante consideração é o mandato dessa Presidência para a próxima Presidência Sueca que se inicia em 1 de Janeiro de 2001.  Assim, o designado “Anexo VIII” convida na alínea d) d seu número 1., a Presidência Sueca a implementar as decisões tomadas no Conselho Europeu de Nice sobre acordos permanentes com os Estados europeus membros da NATO que não fazem parte da UE e os países candidatos à adesão e a apresentação de propostas sobre as modalidades de participação de Estados terceiros nos aspectos civis da gestão de crises. O “Anexo VI”, por sua vez vem acompanhado de um “Anexo I” contendo a “ Declaração de Empenhamento das Capacidades Militares”. E vemos que em Helsínquia, os Estados-membros decidiram também determinar rapidamente objectivos colectivos de capacidades, nomeadamente nos domínios do comando e do controlo, das informações e do transporte estratégico. No Conselho Europeu de Santa Maria da Feira de Junho de 2000, a União incentivou igualmente os países candidatos à adesão à União e os Estados europeus membros da NATO que não são membros da União a contribuírem para a melhoria das capacidades europeias. Os Estados-membros alegraram-se com as intenções manifestadas na perspectiva das reuniões ministeriais de 21 de Novembro de 2000 pelos países candidatos à adesão à União e os Estados europeus membros da NATO em resposta ao convite que lhes tinha sido dirigido no Conselho Europeu da Feira, no sentido de darem o seu contributo sob a forma de empenhamentos complementares para o melhoramento das capacidades europeias. Os contributos que foram recolhidos nas reuniões ministeriais de 21 de Novembro de 2000 alargarão o leque de capacidades disponíveis para as operações conduzidas pela União, possibilitando assim o reforço das capacidades de intervenção da União do modo mais adaptado às circunstâncias. Seriam acolhidos como contributos adicionais de valor para as capacidades oferecidas pelos Estados-membros. Neste contexto, os Estados-membros deram o seu acordo para que tais contributos fossem sujeitos, em ligação com os Estados em causa, a uma avaliação conduzida segundo critérios idênticos aos aplicáveis aos Estados-membros. O “Anexo I” ao “Anexo VI”, vêm acompanhado por sua vez de um “Apêndice” que trata dos “Progressos realizados desde Helsínquia”, cuja alínea c) reza que “os contributos em capacidades e forças dos Estados europeus membros da NATO não pertencentes à UE e dos países candidatos à adesão à UE foram tidas em conta e saudadas como valiosos contributos adicionais para o melhoramento das capacidades militares europeias”. No que diz respeito às “Relações com Estados Terceiros” é mencionado que as contribuições adicionais dos Estados europeus que são membros da NATO mas não da UE e de outros países candidatos à adesão à UE seriam tidas em conta e acolhidas como valiosas contribuições adicionais para o melhoramento das capacidades militares europeias. Essas contribuições seriam analisadas, em associação com as nações em causa, com base nos mesmos critérios que as contribuições dos Estados-membros.

Foi de capital importância a “Organização do Estado-Maior da UE (EMUE)” a que se refere o “Anexo V” ao “Anexo VI”. Assim, em Helsínquia, os Estados-membros da UE decidiram estabelecer no seio do Conselho novos órgãos políticos e militares que permitam à UE assumir as suas responsabilidades em toda a gama de missões relativas à prevenção de conflitos e à gestão de crises definidas no Tratado da UE, as chamadas “Missões de Petersberg”. Como prevê o relatório de Helsínquia, o “EMUE”, incluído nas estruturas do Conselho, forneceria peritagem e apoio no domínio militar à Política Europeia Comum de Segurança e Defesa (PECSD)”, incluindo na condução de operações militares de gestão de crises lideradas pela UE”. Respeitante a este domínio e no que concerne às “relações com tereceiros países”, temos que as relações entre o “EMUE” e os países não europeus da NATO e outros países candidatos à adesão à UE seriam definidas no documento sobre as relações da UE com os países terceiros. O “Anexo VI” ao “Anexo VI” que trata das “Disposições relaticas aos Estados europeus membros da NATO que não fazem parte da UE e a outos países candidatos à adesão à UE” teríamos: 1.  Princípios orientadores - em Helsínquia foi acordado que a UE garantiria o necessário diálogo, consulta e cooperação com a NATO e os membros desta organização que não são membros da UE, com outros países, candidatos à adesão à UE, bem como com outros possíveis parceiros nas operações de gestão de crises lideradas pela UE, no pleno respeito da autonomia da tomada de decisões da UE e do quadro institucional único da União. Com os membros europeus da NATO que não são membros da UE, bem como com outros países, candidatos à adesão à UE, seriam criadas estruturas adequadas de diálogo e informação sobre questões relacionadas com a política de segurança e defesa e com a gestão de crises. Em caso de crise, essas estruturas serviriam para consulta enquanto o Conselho não tomasse uma decisão. Caso fosse tomada pelo Conselho uma decisão de lançar uma operação, os membros europeus da NATO que não fossem membros da UE participariam, se o desejassem, na eventualidade de a operação exigir o recurso aos meios e capacidades da NATO. Mediante uma decisão do Conselho, seriam convidados a participar em operações em que a UE não recorresse aos meios da NATO. Outros países, candidatos à adesão à UE, poderiam igualmente ser convidados pelo Conselho a participar em operações lideradas pela UE, sempre que o Conselho tivesse decidido lançar uma tal operação. Todos os Estados que tivessem confirmado a sua participação numa operação liderada pela UE posicionando forças militares importantes teriam os mesmos direitos e obrigações que os Estados-membros da UE que participassem na condução diária de tal operação. A decisão de dar por concluída uma operação será tomada pelo Conselho, após consultas entre os Estados participantes no âmbito do “Comité de Contribuintes”. No Conselho Europeu da Feira, foram acordados princípios orientadores, tais como, os de que a União garantiria o necessário diálogo, consulta e cooperação com os membros europeus da NATO que não são membros da UE e com outros países candidatos à adesão à UE, acerca da gestão de crises liderada pela UE. Seriam criadas estruturas adequadas de diálogo e informação sobre questões relacionadas com a política de segurança e defesa e com a gestão de crises. A autonomia da UE em matéria de tomada de decisões e o seu quadro institucional único seriam plenamente respeitados. Haveria uma estrutura única e abrangente, na qual os 15 países em causa (os membros europeus da NATO que não são membros da UE e os países candidatos à adesão à UE) poderiam beneficiar do necessário diálogo, consulta e cooperação com a UE. No âmbito dessa estrutura, haveria intercâmbios com os membros europeus da NATO que não são membros da UE, sempre que se tratasse de questões que o exijam, tais como questões relacionadas com o funcionamento das operações lideradas pela UE com recurso aos meios e capacidades da NATO. No próximo escrito terminaremos a Presidência Francesa da União Europeia e antes de entrarmos na Presidencia Sueca que se iniciou a 1 de Janeiro de 2001, iremos fazer um breve abordagem ao Tratado de Nice. O passado dia 1 de Novembro representou um novo marco no funcionamento das instituições, com a entrada em vigor do Tratado de Nice. Assinado em 2001, o texto altera o sistema de voto no Conselho. Os países grandes ganham mais poder como compensação pela perda do segundo comissário. Até aqui, a Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Espanha tinham dois representantes. Na futura Comissão, haverá apenas um comissário por país. Até que a nova equipa de Barroso esteja em funções, os países grandes terão, não só, dois comissários, como também mais poder no Conselho. Uma situação que não corresponde ao peso populacional dos Estados. Por exemplo, a Alemanha, com 80 milhões de habitantes, terá direito a 29 votos, apenas mais dois do que a Espanha, com 42 milhões. Mas o Tratado de Nice só estará em vigor até 2009. Nessa altura, entra em cena a Constituição Europeia, assinada a 29 de Outubro e que deverá agora ser ratificada pelos 25 Estados-membros.

*Missões de Petersberg, foram criadas em Junho de 1992, aquando do Conselho Ministerial da União da Europa Ocidental (UEO) realizado no Hotel de Petersberg, nas proximidades de Bona. Nessa altura, os Estados-membros da UEO declararam-se prontos a colocar à disposição da UEO unidades militares provenientes de qualquer ramo das suas forças convencionais, com vista à realização de missões militares sob a autoridade da UEO. Foram definidos os diferentes tipos de missões militares que podem ser realizadas pela UEO, para além de contribuírem para a defesa colectiva no âmbito da aplicação do artigo 5º do Tratado de Washington e do artigo V do Tratado de Bruxelas alterado, as unidades militares dos Estados-membros da UEO podem ser utilizadas para missões humanitárias ou de evacuação de cidadãos, missões de manutenção da paz, missões executadas por forças de combate para a gestão de crises, incluindo operações de restabelecimento da paz. Estas missões estão actualmente expressamente integradas no artigo 17º do Tratado da UE e fazem parte integrante da Política Europeia de Segurança e de Defesa (PESD).

Jorge Rodrigues Simão, in “HojeMacau”,  12.11.2004

 

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